segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O discurso do MES silenciado no 1º de Maio de 1974 - António Santos Júnior

Ainda decorriam os primeiros dias após a libertação quando ocorreu um episódio significativo, pelo menos para a história do MES (Movimento de Esquerda Socialista), envolvendo um dos seus mais ilustres dirigentes fundadores. Em plena euforia vivida nos dias que se seguiram ao 25 de Abril de 1974, havia que reunir as forças que em diversos sectores da oposição ao fascismo se não identificavam, à esquerda, nem com comunistas nem com socialistas, nem tão pouco com os grupos marxistas-leninistas, dissidentes do PCP.
Num livrinho publicado cerca de dois meses após o 25 de Abril, intitulado Intervenção Política I, «O MES afirma-se como Movimento, reivindica-se Socialista e demarca-se como de Esquerda, e defende, como princípio fundamental que, conforme as lutas dos trabalhadores de todo o mundo têm demonstrado, a emancipação dos trabalhadores só pode ser obra dos próprios trabalhadores». E a concluir a Introdução afirma-se: «O socialismo é a associação livre de produtores livres e iguais, a sociedade em que aos produtores e apenas a eles caiba decidir o que se produz, como se produz e para que se produz».
Foi com este espírito, repleto de ressonâncias libertárias, que os dirigentes de uma amálgama de movimentos sectoriais, associados a lutas de base, se foram unificando dando origem ao que viria a ser o MES pré-anunciado num pano, desenhado de forma artesanal, que desfilou na grande manifestação do 1º de Maio de 1974.
Entretanto caiu no esquecimento que estava prevista, no final da manifestação do 1º de Maio de 1974, uma intervenção de um representante do MES. Essa intervenção estava a cargo do destacado militante sindical e operário António Santos Júnior que «não pôde concluir a leitura do seu discurso porque uma parte da assistência o interrompeu aos gritos».
Como se escreve numa nota que acompanha a transcrição do discurso, na publicação em referência, «como a sua determinação em prosseguir fosse manifesta certos indivíduos com fins inconfessáveis conseguiram com o Hino Nacional transmitido pelos altifalantes impedi-lo de prosseguir.Distribuído à imprensa diária, que silenciou aqueles factos nos relatos sobre o comício efectuado no estádio, houve manifestos interesses que impediram a sua divulgação, pois apenas dois jornais, passados alguns dias depois do 1º de Maio, publicaram o discurso.»
Aqui deixo, na íntegra, a intervenção silenciada de ANTÓNIO SANTOS JÚNIOR no 1º de Maio de 1974:
«Camaradas!
Trabalhadores!
Para os que não me conhecem: Eu fui presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa e da Federação dos Sindicatos dos Metalúrgicos durante 4 meses até ser destituído pelo Governo de Marcelo Caetano.
Estou aqui para, com a minha voz de trabalhador, vos falar em nome do Movimento de Esquerda Socialista (em organização).
Antes de mim falaram representantes do Movimento Democrático, do Partido Socialista, do Partido Comunista.
Já antes do 25 de Abril não eram só estas organizações que existiam.
Existiam outros movimentos que se manifestavam em lutas operárias:
- Na Fábrica.
- Nos Sindicatos.
- No nível político através dos grupos socioprofissionais mistos (surgidos na movimentação do período eleitoral de 1973 e que desde então continuam a trabalhar).
Manifestavam-se também nas lutas estudantis e na luta anti-colonial.
Em todas estas lutas fez-se sentir o peso esmagador dos trabalhadores que as levaram por diante, embora nelas também se tenham integrado cristãos revolucionários e elementos socialistas.
No fim de contas um grande grupo de pessoas lutava, luta e jamais deixará de lutar por um socialismo perfeitamente controlado em todos os seus aspectos, desde o económico ao político, do cultural ao social, pela classe operária! Repito, uma sociedade que seja controlada em todos os seus aspectos pela classe operária!
Camaradas Trabalhadores, neste momento saudamos os soldados de Portugal, o Movimento das Forças Armadas que derrubaram os aparelhos de Opressão constituídos e que criaram, portanto, condições absolutamente novas para o desenvolvimento da nossa luta de trabalhadores.
- efectivamente a censura acabou
- a PIDE, Legião e outras organizações estão a ser destruídas.
Mas … Tenhamos atenção. Nem todas as formas de repressão foram já abolidas.
Todos nós sabemos que a repressão que até agora vínhamos sentindo e sofrendo nas fábricas e em todos os locais de trabalho vai pretender continuar!
Formas de repressão tais como: despedimentos repressivos nas fábricas e em todos os locais de trabalho. As cargas policiais sempre que nós trabalhadores entrávamos em greve ou por qualquer outra forma lutávamos pela defesa dos nossos interesses. A recente luta dos trabalhadores da TAP foi disso o mais recente exemplo, mas foi também um dos raros momentos na história recente das nossas lutas em que nós trabalhadores nos conseguimos opor vitoriosamente à repressão: as forças policiais tiveram de recuar e nem um só dos nossos camaradas foi despedido. A acção dos bufos e de todos aqueles que nos locais de trabalho ajudam o patronato a impor-nos a sua tirania.
Contudo … Também a nossa exploração continua! Concerteza que os patrões vão pretender continuar a pagar-nos salários miseráveis e ajudados por essa miséria onde nos lançam obrigar-nos a aceitar horas extraordinárias em série em vez de satisfazerem as nossas reivindicações de redução de horário de trabalho.
Vão continuar a obrigar-nos a trabalhar em péssimas condições de higiene e segurança, vão no fim de contas continuar a explorar-nos!
Por isso perguntamos:
A exploração irá continuar?
As Caixas de Previdência vão continuar a estar ao serviço dos capitalistas e dos colonialistas ou vão passar a estar nas nossas mãos e portanto ao serviço do todo o povo?
Será que muitos de nós vão continuar em casas miseráveis ou em barracas enquanto outros vivem em luxuosas vivendas que são autênticos palácios?
Será que vamos continuar a perder longas horas do nosso dia em transportes incómodos e cada dia mais caros, enquanto outros têm vários automóveis, qual deles mais caro e com os seus motoristas particulares?
Será que as escolas dos nossos filhos vão continuar a ser fábricas e oficinas ou será que as escolas neste país se vão finalmente abrir para todos os filhos do povo?
Será que a Guerra e exploração coloniais vão continuar?
Se queremos ser nós a construir o futuro do nosso país e não admitimos que ninguém o faça em nosso nome, não devemos contribuir para que os povos das colónias possam também tomar nas suas próprias mãos os destinos dos seus países?
A resposta a todas estas perguntas devemos ser todos nós a dá-la diariamente da única forma que serve efectivamente os nossos interesses de trabalhadores, que serve efectivamente os interesses do povo!
A nossa luta tem de continuar sem desfalecimentos e só terminará com a construção de uma sociedade sem classes sem exploradores nem explorados, de uma sociedade onde não tenhamos de nos vender diariamente!
Temos de construir uma sociedade socialista!
Este é o nosso objectivo e para o atingir estamos abertos à mais ampla colaboração com todas as forças políticas que igualmente lutam pela emancipação de todo o povo, pela construção do socialismo.
CAMARADAS!
É necessário não esquecer nunca uma verdade que a história das lutas dos trabalhadores em todo o mundo tem demonstrado!
A EMANCIPAÇÃO DOS TRABALHADORES SÓ PODE SER OBRA DE NÓS PRÓPRIOS TRABALHADORES!!!»
Texto daqui.
Foto de Rosário Belmar da Costa.

2 comentários:

Zé Carlos disse...

BEM LEMBRADO !

Filipe Dias disse...

Para mim, é chocante a actualidade do texto, a maior parte, parece que foi escrito hoje mesmo!
Abraço

Filipe Dias (nascido a 1978)